CAPES na UA

Ontém, dia 16 de setembro de 2010, no Anfiteatro do Departamento de Química da Univerisdade de Aveiro (UA), ocorreu aquilo que deveria ter sido uma visita de cortesia para a Delegação da CAPES (Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior), do Brasil.

A Delegação contava entre seus membros, o presidente da Agência, Jorge Almeida Guimarães e outros professores que compõe a Comissão de Avaliação da CAPES, sobretudo professores de instituições federais do Rio de Janeiro.

A recepção à delegação da CAPES foi feita por professores da Universidade de Aveiro que antecipadamente apresentaram aos visitantes os departamentos que compunham a universidade.

No anfiteatro, desde às 17h10, esperavam-nos os brasileiros estudantes da UA, que foram convidados para aquela reunião de cortesia, que iniciou de facto, por volta das 17h35.

Sem maiores preparações, foi dada a palavra ao presidente da CAPES que mostrava-se muito orgulhoso do resultado de financiamento de 700 bolsas para brasileiros, a nível de pós-doutoramento e bolsa sanduíche na Europa. A seguir, deu a palavra aos presentes.

Boa parte dos brasileiros presentes estavam no Mestrado ou cursando um Doutoramento. Grande parte destas pessoas não tinham bolsas de estudo brasileira e/ou tiveram que pleitear ou já gozavam de uma bolsa FCT.

Choveram queixas e reclamações com relação a falta de assistência do governo brasileiro para manutenção destas pessoas na Europa, sobre critérios incompreensíveis para a atribuição das bolsas, que eventualmente foram negadas a grande parte dos queixosos.

Desconfortável e visivelmente constrangido, o presidente ouviu todas as falas e manifestou-se, aproveitando por esclarecer a real situação da CAPES na actualidade, que não dispõem de apoiadores, como a CNPq, para o financiamento de bolsas e pesquisas no Brasil e no exterior. Esclareceu também as condições para atribuição de bolsas para doutorados no exterior (um dos pré-requisitos: existência de projectos e convênios interinstitucionais com várias universidades para as quais se pleiteia a bolsa).

Outras pessoas continuaram relatar algumas situações envolvendo candidaturas a bolsas CAPES no exterior e problemas em torno das negativas. O presidente voltou a comentar os critérios de designação para as bolsas, enfatizando, porém, que desde que o curso pleiteado pelo candidato exista no Brasil e com boa avaliação da CAPES, a bolsa é negada. Em vários momentos do seu discurso enfatiza que o Brasil dispõe de programas de doutorais com qualidade, o que não se justifica a saída de alunos em busca dos mesmos cursos ou de natureza semelhante no exterior, principalmente em situação "avulsa" (independente), conforme ele designou.
Uma aluna baiana replicou que buscou o doutoramento fora do país porque as suas chances já estavam negadas uma vez que cursou a escola pública. Muitos se sentiram contemplados na fala da conterrânea por reconhecer que a maior parte das vagas são para as pessoas residente no eixo sul-sudeste e que frequentaram boas escolas privadas em sua vida estudantil.
O presidente da CAPES reconheceu que a qualidade da educação básica no Brasil é péssima (termo utlizado por ele), o que contribui para reforçar uma iniciativa que a CAPES tem inaugurado com universidades portuguesas que é o lançamento de um convênio, que permite a vinda de professores brasileiros para formação para educação básica.
Como eu me coloco diante de toda esta situação? Fiquei ressentida, é claro, com o ataque pelo presidente da CAPES, a iniciativa individual dos estudantes brasileiros de vir cursar uma pós-graduação em Portugal em função da existência de bons programas de formação pós-graduada no Brasil. Creio que temos liberdade de irmos para onde quisermos frequentar o curso que estiver mais de acordo com as noções opções profissionais e académicas.
É claro que quem faz este tipo de escolha tem que responder por estas escolhas e inclusive, responder pela responsabilidade da sua situação no país escolhido para tal formação. Ter ou não bolsa de estudo é uma condição individual, repleta de condições específicas de cada um. Mas ficou logo claro que a CAPES não estava ali para distribuir bolsas para os presentes e não se solidarizou com nenhuma situação relatada. Não reconhecem a validade da opção pela formação no exterior, desde que ela se torne uma iniciativa multiplicadora na volta do bolseiro ou estudante sem bolsa ao Brasil.
Olhando para aqueles senhores que decidem milhares de pleitos de bolsas para o estrangeiro e que definem as regras para tal pleito e concessão das mesmas, pensei em Rubem Alves, quando ele se reporta em uma de suas falas sobre o vestibular no Brasil. Nesta fala, Rubem Alves questiona a competência dos elaboradores das provas dos vestibulares para responder as suas próprias questões. Conseguiriam eles passarem no vestibular?
Quando penso numa Comissão Avaliadora para atribuição de bolsas, penso em sujeitos, pessoas, com crenças, indivíduos com perspectivas próprias. Ainda que com critérios rígidos para tal avaliação, não consigo não vê-los posicionando subjectivamente em relação ao processo. E de posse das palavras do senhor presidente da CAPES ainda a ressoar nos meus ouvidos, "rigor", "qualidade", "competências", fico a ver pessoas excelentes, com méritos reconhecidos pelas suas pesquisas em universidades no exterior cada vez mais distante da academia brasileira. Conseguiriam eles passarem hoje, novamente, nos processos por eles designados?
Termino por responder a uma pergunta elaborada pelo presidente da CAPES aos presentes, que não entende porque não entramos nos programas doutorais das universidades brasileiras: porque pessoas como ele definem critérios tão altos (muitas vezes desconhecidos e não evidentes nos editais e no próprio processo, seja para o candidato, seja para a comissão avaliadora) - se calhar, inalcançáveis para os meros mortais, que distanciam da academia brasileira profissionais, cujo mérito é reconhecido pela vida, pelos colegas de profissão e por uma comissão avaliadora de candidaturas e de agências atribuidoras de bolsa de estudos de cada universidade estrangeira onde ousamos chegar.
Ressalto que fui bolseira CNPq ainda como estudante na licenciatura em Pedagogia, bolseira ALBAN no mestrado e actualmente, sou bolseira FCT no doutoramento na Universidade de Aveiro. Fui também professora substituta da Universidade Federal do Maranhão e hoje sou professora de uma Faculdade no mesmo estado. Entretanto, meu tema de estudo actual (metacognição em ambientes online) tem ligação directa com a minha área de trabalho formativo no Brasil e tudo que escrevo, remeto directamente para situações e fenómenos próprios da minha cidade natal.
Bem, compartilho as situações profissionais dos muitos queixosos. Fui também alvo da mesma pergunta acima relatado por uma professora da UFMA: por que você está indo para Portugal fazer (na época) o mestrado? Temos bons mestrados aqui no Brasil, aqui mesma na UFMA. Lembro de ter respondido que a minha opção pelo curso, actualmente concluído, foi por ser inovador na área. Mas recordo agora que a mesma pessoa que me formulou a pergunta fez seu doutoramento na Inglaterra!!!
Acredito que esta conversa não acaba aqui. E regresso para continuá-la noutra altura. Afinal, há ainda um doutoramento em multimédia em educação para concluir.

Comentários

Anônimo disse…
Declarações como essas invadem o nosso coração com muito sentimento de dever não cumprido, como se fóssemos responsáveis por mudar o pensamento de pessoas que deixaram a sensibilidade de aprender um pouco longe de suas prioridades.

Infelizmente... ou felizmente? Podemos ser críticos o bastante para concordando ou discordando de algo ou de alguém, ainda podermos refletir a respeito de nós mesmos e de nosso papel enquanto peça do cosmos. Qual o nosso papel? Quem somos num mundo em que oportunidades são ou não direcionadas com critérios muitas vezes escusos e destituídos do sentimento de fazer o melhor? Quem somos mesmo???

Me solidarizo com você professora. Pessoa sensível e com vontade de acertar e fazer com que, coletivamente, acertemos todos. Que alegria tê-la como mestre e amiga.
Unknown disse…
É óbvio que há outras nunaces sobre as quais se pode abordar o assunto. Contudo, me senti tentada a desabafar depois do que testemunhei. Afinal, e no mesmo seguimento do comentário anterior, acredito que, por uma questão de solidariedade, devemos empreender esforços de ajudar os nossos conterrâneos.

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